Seo Vereador, vosmecê tem o protocolo? Pergunta o eleitor

Prefeitura do Soure

Era o ano de 1954. Haveria Eleições Municipais livres no Brasil, já democratizado e após a morte do seu Presidente, Getúlio Dornelles Vargas, que embora tenha sido ditador no período de 1930/1945, se elegera democraticamente em 1950. O município de Nova Soure, na Bahia, elegera, em primeiro mandato, um jovem Cirurgião Dentista, Dr Emmanoel Ferreira da Silva –  o caçula do clã dos Ferreira – para dirigir os seus destinos na legislatura 1955/1959 – naquele tempo a transmissão do cargo ocorria no mês de fevereiro.

[Retificando: a transmissão do cargo ocorrera em 07/04/1955, por força da Resolução do Tribunal Superior Eleitoral nº 4.648, de 27 de janeiro de 1954]

Como qualquer município de pequeno porte, tal qual o nosso, os Vereadores seriam eleitos apenas na condição, digamos assim, de título honorífico, embora investidos no múnus de legislar e no ônus de servir. Não havia remuneração para o exercício do mandato, a eles confiado pela sociedade.

Dr Manelito, assim amistosa e carinhosamente tratado pelos seus munícipes, era irmão do primeiro prefeito eleito democraticamente em Nova Soure, José Ferreira da Silva – Seo Juca ou simplesmente Seo Juquinha. Também era irmão do ex-prefeito, por duas legislaturas (1938 a 1945 e 1955 a 1959), de um dos mais ricos municípios da Bahia – a Itabuna do cacau – o primogênito do clã ferreirense, engenheiro civil, formado na Escola Politécnica da Bahia, Francisco Ferreira da Silva – Ferreirão, como assim era conhecido, considerado um dos melhores prefeitos da história daquele município.

Nessa legislatura, fora eleita Vereadora Dona Morena, a Professora Maria de Lourdes Ferreira da Silva, tendo sido escolhida para presidir a Câmara dos Edis.

Vê-se, assim, que a Família Ferreira tinha, além da vocação pelas prendas educacionais, a vocação política – era a única família na região a contar com quatro filhas diplomadas Professoras, pelo Instituto Normal da Bahia.

Dr Manelito, iniciante em administração pública, sucedendo ao prefeito Ramiro Vieira, homem nascido no Junco (Maiada da Pedra), hoje Sátiro Dias, que fizera uma administração elogiável e em continuação ao que iniciara Seo Juquinha, cuidara de organizar os serviços públicos do nosso município, bem ao seu jeito de agir – com parcimônia, com atenção e com educação ímpar, aliás marcante na sua alma de homem e amigo.

Consta que entre os Edís eleitos naquela legislatura, estava um senhor de moral ilibadíssima, cordato, homem próspero – de poucas letras, mas de uma inteligência invejável – que representava um dos Povoados existentes naquela época. Além de ser um fiel escudeiro e defensor no Prefeito eleito, o assessorava nas questões do trato com a terra, na lida com o rebanho e na manutenção dos serviços da fazenda do alcaide.

Para os moradores daquele povoado e da região circunvizinha foi uma vitória dobrada. Elegera o candidato a Prefeito e, de quebra, um seu representante na Câmara Municipal, um Vereador “da gema” como se diz. E não foi um mero vereador; foi um vereador com fácil acesso ao prefeito e com raízes muito fortes de trabalho e amizade – foi, como se aplica a esses casos, “a sopa no mel”!

Administração iniciada, o prefeito Manelito não descansava. Projetara e começara a executar a reurbanização da Praça Nossa Senhora da Conceição – a principal da cidade – e, delegara aos vereadores dos povoados que lhe trouxessem as reinvindicações das suas comunidades, ouvidos os habitantes evidente e independentemente de preferência partidária desses.

Em verdade, esses vereadores eram, digamos assim, os subprefeitos, embora não formalmente nomeados, nem reconhecidos como tal.

Mas, pouco importava, se as distâncias entre as localidades e a sede; as dificuldades de transportes e as inoportunidades de falarem com o prefeito, fizessem com que os munícipes dessas localidades sempre se valessem dos seus vereadores; seus representantes, para as reivindicações do necessário. O importante era que estas reivindicações chegassem ao gabinete do alcaide. Era este o propósito.

As reivindicações não cessavam. Ora era a limpeza de um corredor – estrada de boiada, de carro de boi, carroçal; ora era a limpeza de um tanque; ora era a preparação para a festa do padroeiro ou padroeira da localidade e, outras tantas reivindicações.

Os interessados, sempre nos dias de feira livre nessas localidades, procuravam o vereador para apontar o que estava necessitando nos arredores da sua morada ou da sua roça.

O vereador selecionava, ao seu entender, o que era possível cobrar do prefeito. Não queria incomodá-lo com pequenos pedidos, alguns, para ele vereador, descabidos. Dessa forma, era de se prever que as nem todas as reivindicações chegassem ao conhecimento do administrador municipal.

E lá se vinham os comunicados, pedidos, reivindicações:

  1. “seo vereador, o corredor que vai pros lado da Ribanceira de Baixo tá quase fechando. É preciso mandar roçar” – resposta imediata: “já requeri ao prefeito, meu fio”
  2. “seo vereador, o tanque da Pimenteira Salgada tá que é lama só; precisa de limpar antes que a chuva chegue” – mas uma resposta pronta: “já requeri ao prefeito, meu fio”
  3. “seo vereador, aqui tá precisando de um curral de matança (abatedouro de animais) por que a feira tá crescendo e vai ter que matar mais gado” – mas uma resposta pronta: “já requeri ao prefeito, meu fio”

Os pedidos se avolumavam. O prefeito não tinha conhecimento deles, óbvio. O vereador não queria “incomodar com coisa pouca”. As respostas, sempre prontas e sempre as mesmas, pareciam já não mais convencerem aos interessados.

Mas o vereador era uma pessoa tida na mais alta conta; um homem digno e respeitado; uma referência entre os moradores daquela região. Quem se arvoraria em questioná-lo em desacordo? Ninguém, óbvio.

Mas, nunca se sabe. Aqui acolá era esperado o momento de se saber qual a decisão do prefeito em relação aos pleitos dos eleitores. E não estava longe de acontecer.

No próximo mês, estaria sendo realizada a romaria religiosa no povoado e o senhor prefeito deveria estar presente. Aí era só alguém se aproximar e saber do prefeito quando seria limpado o tanque da Pimenteira Salgada ou roçado o corredor da Ribanceira de Baixo.

Lá um belo dia, no barracão onde se realizava a feira livre, estavam algumas pessoas numa conversa bem amistosa e alegre; afinal as risadas dobravam. Entre essas pessoas o vereador cumprimentando um e outro; quem chegava; quem saia.

Zeca Bico Largo, um dos reivindicantes dos serviços apontados, tinha acabado de chegar para fazer a feira. Arriou o boca-pio na banca de carne de João Quarto Doce, se integrou à roda de conversa e, lá pelas tantas, se dirigindo ao vereador lançou a pergunta: “seu vereador, o prefeito já mandou limpar o corredor da Ribanceira de Baixo? Daqui três semanas tem a romaria do padre e minha famía qué vim pra cá. Do jeito que tá o carro de boi num passa”.

A clássica e conhecida resposta pronta, “já requeri ao prefeito, meu fio” soou em alto e bom som.

Assim de lado, como não quer nada, escutando toda a prosa e atento ao que ali se conversava, um rapazinho franzino, estudante da escola rural, se vira para o vereador e lança a pergunta: “seo vereador, vosmecê tem o protocolo deste pedido?. Porque todo domingo eu fico por aqui e sempre escuto o senhor dizendo aos seus eleitores ‘já requeri ao prefeito, meu fio’; no outro domingo, vem a mesma queixa, a mesma resposta e, ao que parece, nenhum serviço foi feito ainda”.

Todos ficaram assombrados. Quem este rapazinho atrevido que faz uma pergunta dessas ao vereador? Seria um “pau mandado” da oposição? Será que é de fora – num é daqui e veio atazanar o juízo do vereador? Silêncio total. Fôlegos presos à espera de uma reação esbravejante do perguntado. Assim se portaram os presentes à roda de conversa.

Mas, o vereador, sério e respeitado como sempre o foi, não perdeu sua condição de formador de opinião e elo de ligação entre a comunidade e o prefeito. Não podia revelar a real situação do encaminhamento das reinvindicações – isto comprometeria seriamente sua carreira política e a do prefeito, seu aliado.

Com parcimônia e em tom apaziguador, passara a mão na cabeça do jovem perguntante e lhe respondera: “é o máli meu fio, é o máli. Foi tudo bocoriamente”.

Tonho do Paiaiá – entre o Dia de São José e o início do outono de 2016.

Causos da vida política em um povoado – não se faz referências nominais às localidades e a algumas pessoas, em respeito a cada uma delas e suas famílias, também para não dar margem a pretensas identificações.

https://tonhodopaiaia.wordpress.com/seo-vereador-vosmece-tem-o-protocolo-pergunta-o-eleitor

De mestres jornalistas, de aulas públicas, de professores abnegados

Sou leitor e assinante do diário Jornal A Tarde, há mais de 40 anos.

Como leitor, com certeza, quase cinquent’anos, visto que fui a ele (jornal) apresentado em 1967, na Ilhéus de São Jorge – Capital sulista da Bahia, refúgio boêmio de Jorge Amado – quando excursionávamos com a Turma de Concluintes da Quarta Série Ginasial, do laureado Ginásio Professora Maria Ferreira da Silva, da minha outrora Natuba, Nova Soure. Como assinante, pouco mais de duas décadas.

Aqui no Soure, tínhamos acesso a poucas obras literárias. Predominavam  clássicos, como as obras de Machado de Assis, José de Alencar; às vezes do matemático-pedagogo Malba Tahan, etc., alguns gibis, além de bolsilivros de faroeste, de Marcial Lafuente Stefania. 

Os clássicos por empréstimo de professores ou de pessoas de famílias ricas da cidade – afinal poucos tínhamos condições de comprar livros, principalmente se não fossem os didáticos adotados nas escolas – os gibis e bolsilivros. passados de mão em mão entre garotos, principiando, obviamente, por alguns dos mais abastados.

Sem nenhum ranço machista, desnecessário dizer que, na ala feminina pontuava a leitura de revistas novelescas e noticiosas sobre vidas e amores de cantores e astros da época: Capricho, Sétimo Céu, Ilusão, InTerValo, Melodias, etc.

A leitura me alcançou logo nos primeiros anos de vida – lá pelos cinco ou seis anos de idade – Eduardo Limanão só na escola regular, como por meio de duas obras que encontrei numa das gavetas do bureau que pertenceu ao meu pai, que falecido em 1958 e ainda bem jovem.

Uma delas, o livro  O Brigadeiro Eduardo Gomes, Trajetória de um Herói, de Cosme Degenar Drumond e a outra uma edição da revista norte americana, circulando no Brasil desde a década de 1940, Seleções do Reader’s Digest.

Outras leituras ma alcançaram na obrigação escolar: Eduardo Lima (Tarefa Escolar)inevitáveis, formadoras, esclarecedoras, porém obrigacionais e não me fizeram despertar mais do que prestar contas em sala de aula, infelizmente até aquele momento.

Só tive acesso ao Jornal A Tarde pela benevolência do Dr João Leal, então Secretário Particular de Sua Excelência o Prefeito de Ilhéus – Dr Nerival de Rosa Barros, eleito em 1966 pela UDN, como também aqui o fora o nosso Zé Ramos – José Ramos de Souza. Eles foram muito amigos, a ponto do Dr Nerival nos receber – os excursionistas – e nos proporcionar belas viagens aos pontos turísticos da sua Ilhéus.

Pois bem, lidas as primeiras páginas daquele jornal, reacendeu em mim o fascínio pela leitura.

Este fascínio reavivado, reputo tenha sido o maior aproveitamento que angariei naquela excursão de alunos, a maioria deles imberbes e de situação econômica sofrível.

Leitura de Jornais, daí em diante, somente quando Zé Ramos chegasse da Bahia e trouxesse algum, com uma semana de publicado ou mais. Até mesmo o Diário Oficial me servia pra leitura. Eu não sabia nada do significado daquilo tudo que estava decretado naquele Diário, mas lia e relia, sempre me deparando com termos nunca vistos, a exemplo de dotação orçamentária, insculpida na legislação, ad referendum do Conselho de Ministros, etc., etc., etc.

Mas, para adequar esta minha escrita ao título que escolhi, vou retomar da ideia inicial que, com certeza,  fará justiça ao escolhido.

Quando lia, em A Tarde, os artigos do mestre Jorge Calmon sempre me dizia introspectiva e silenciosamente, o meu ego apreendeu e jamais se apagou de minha memória: estes artigos do Dr Calmon são umas verdadeiras aulas públicas.

Hoje, neste primeiro domingo de março de 2016, tive a graça de reviver o Mestre Jorge Calmon, numa exemplar crônica da lavra de um amigo recente, Marcelo Torres ou Marcelo do Junco (nome antigo do município de Sátiro Dias) como ouso chamá-lo algumas vezes, embora receoso da não aceitação pelo nominado.

O Marcelo publicou, na rede social Facebook, crônica sob o título “Não se esqueça da vírgula”.

Posso lhes asseverar que se trata de um primor de escrita, de uma didática invejável e de um singelo chamamento a revisitarmos os ensinamentos gramaticais.

Aquele escriba navegou, com maestria, em verdadeiros oceanos gramaticais: pilheriou com a formatação de frases e os erros nelas existentes, alertou-nos a todos que figurões do meio jornalístico e de setores sibites da imprensa nacional também cometem erros ao escrever textos e publicá-los. Tudo, tudinho mesmo – como se diz cá no meu Soure – na maior elegância e anotando, caso a caso, a ausência de sua excelência, a vírgula, na composição da frase ou oração; aduzindo a perda do significado pretendido ou a dubiedade do sentido da frase que aquela ausência provocava.

Fez questão, o Marcelo, de avivar em nossas mentes a figura de linguagem denominada vocativo, sua função, seu significado.

Uma verdadeira aula pública!

Obrigado, Marcelo.

Tonho do Paiaiá, revivendo a leitura, reconhecendo méritos.

Nova Soure, 6 de março de 2016

 

Viagem a Soure. Pequenas férias, descanso, centenário….

Cogito ergo sum

Hoje estou indo, em viagem de pequenas férias, à  minha querida Nova Soure, acompanhado de minha Zenaide e de sua mãe D Marocas.

No próximo dia 9 deste mês  (quarta-feira) a minha sogra, D Marocas de Zacarias Guarda, estará completando 100 anos de nascimento. Que graça para todos nós da família! Que alegria para uma família, nos tempos atuais, poder celebrar o centenário de um dos seus membros!

A família decidiu se reunir em Nova Soure para celebração desse momento e acolher seus parentes e amigos, com Missa em Ação de Graças na Igreja Matriz de Nossa Senhora da Conceição, celebrada pelo Bispo Diocesano de Alagoinhas, Dom Paulo Romeu Dantas Bastos.

Natural que, considerando a idade da aniversariante, cheguemos com folga para que a matriarca dos Sousa Cruz possa descansar bastante e repor suas energias.

Como já noticiei, no dia 10 (quinta-feira) tenho um encontro, o dia inteiro, com os alunos do meu antes Grupo Escolar D Pedro I, hoje com nova denominação de Escola ou Colégio não tenho certeza. Mas, felizmente, o modo carinhoso como todos chamávamos – Dom Pedro – creio que desde a sua fundação em 1943, permanece.

Que façamos uma viagem em paz, com a graça e a companhia de Deus!

 

Encontro com alunos do Colégio Dom Pedro I

Prezados leitores, especialmente meus conterrâneos

Recebi um convite do Colégio Dom Pedro I – meu saudoso e lembrado Grupo Escolar e onde iniciei meus estudos – por proposição da Professora Robélia Aragão para “……uma roda de conversa com os alunos do Ensino Médio falando da importância da leitura para todas as áreas d0 conhecimento/profissão…..

Relatou a mestra proponente que a ideia do convite surgiu do “….desenvolvimento de um projeto de Leitura nas escolas da rede estadual de ensino….

Aduziu a professora Robélia que “…..atenta ao seu texto, …. estive com a direção e professores e propus que caso aceitasse o convite receberíamos na escola para uma roda de conversa com os alunos…..

Quero crer e, sinceramente, cri que o interesse da minha participação nesse projeto tenha sido movido após a publicação da minha crônica  O Exame de Admissão ao Ginásio – o menino, o sucesso, a alegria e o castigo – no final do mês de fevereiro último.

Como não poderia ser diferente, aceitei de imediato o convite.

A lisonja é para mim.

A alegria de revisitar as salas de aula daquele Grupo Escolar, após 45 anos, me invadiu e massageou meu ego; me encheu de orgulho. É que, em estágio obrigatório e no ano de 1970, conduzi por alguns meses uma turma de alunos do curso primário do D Pedro, com vistas a formação de magistério na primeira turma do Colégio Normal Cenecista Professora Maria Ferreira da Silva – quanta saudade!

Após as tratativas de praxe, combinamos que nosso encontro será no próximo dia 10 deste mês (quinta-feira).

O evento deverá durar o dia inteiro e se destina aos alunos dos três turnos do D. Pedro.

A professora teve o cuidado de explicar que “O público é diverso para atrair a atenção.”

Discorreu que “o público é composto de alunos do Ensino Médio. Os turnos matutino e vespertino são de ensino regular. Pois são alunos da zona rural e urbana. São juvenis. Já o noturno são da Educação de Jovens e Adultos.

Esclareceu que há “ muita gente fora da escola há bastante tempo. Tem senhores e senhoras, grande parte trabalhadores e da zona rural.“.

Estou consciente da minha responsabilidade de passar para os alunos a minha trajetória desde menino estudante a profissional, já aposentado.

Mas o fulcro do nosso encontro é transmitir-lhes, aos alunos do Dom Pedro, a importância da leitura na vida das pessoas e de que ela (leitura) é absolutamente capaz de transformar pessoas e o mundo.

Até lá meus amigos, meus conterrâneos, meus alunos!