
Dizem que quanto mais ficamos velhos, menos dormimos. S’é mentira ou s’é verdade não sei!
Sei mesmo que, por vezes, me pego acordado na madrugada e passo a ler tudo que me seja possível.
Hoje nesta madrugada, a dois dias do final de novembro de 2015, leio uma escrita magistral, do não menos magistral Professor Geraldo Prado – do Paiaiá como eu – homem que tem dignificado aquele torrão e o levado ao alcance do mundo literário, televisivo e outras mídias.
Geraldo, alegando sua insônia, tem premiado a nós todos com textos primorosos; fruto do que usa para afasta-la, no cotidiano.
O professor, na sua narrativa, optara em discorrer sobre a sua meninice no sertão, com o cuidado de alertar que o texto e o episódio interagem com a Biblioteca do Paiaiá, para nos falar do seu velho cão – de nome Cação – que não pudera levar consigo, na viagem que empreendera em busca do sucesso, para a Cidade de São Paulo na década de 1960.
Numa narrativa leve e frugal, o vira-lata Cação em busca de sua Baleia determinara o título do seu conto como “Meu primeiro triste conto de saudade do sertão”.
Quis mesmo, de imediato, fazer um comentário na rede social onde fora publicada sua narrativa. Mas, me contive. Arrisco-me, então, em escrever um texto em solidariedade ao insone Geraldo, para lhe dar conta do que acontecera com os piscis (Carolus Linnaeus, 1707 – 1778, em português Carlos Lineu) e os cetáceos caninos do seu conto.
Traço uma paródia – sem objetivo sarcástico, obviamente – narrando ida ao seu encontro e consequente retorno do pisci-canino Cação, na companhia da namorada, cetácea-canina Baleia.
Geraldo estava cônscio de que Cação não mais voltaria a vê-lo; afinal São Paulo é um mundão em tamanho além da distância, digamos, inalcançável aos dois caninos.
Mas não foi bem isso que ocorreu. Cação tomou de sua Baleia e saiu, sem lenço e sem documento – talvez tal atitude tenha inspirado o Caetano a compor a célebre música – em busca do encontro com Geraldo, na cidade que não dorme.
Desnecessário dizer do insucesso do casal canino aventureiro. Desta forma, não havia outro caminho senão o retorno ao velho, amado e sofrido Paiaiá, e o fizeram sob intempéries, fome, sede, maus-tratos, enxotamentos, xingamentos, etc.
Ponto de chegada na cidade e de largada em retorno ao sertão, o Parque Novo Mundo conhecido local onde ficavam estacionados os caminhões do norte; fora escolhido por conta do anseio de encontrar alguém que conhecesse o Geraldo e lhes desse notícias ou os levassem até ele.
Tal como os bandeirantes, escolheram seguir pela margem do rio Tietê e se foram. Tomaram o rumo do Paraíba do Sul com direção à sua foz. Tinham certeza de que alcançavam o estado do Rio de Janeiro.
A esta altura já não estava somente o casal. Mas, nada de prole. Haviam despertado compaixão e interesse em outros piscis ao longo da caminhada-nado.
Ainda em São Paulo alcançaram o rio Ribeira do Iguape e foram seguidos pelo dourado; logo próximo à foz do Paraíba do Sul foram acompanhados pelo robalo. Nas Minas Gerais tomaram a margem do rio Jequitinhonha, mas sempre procurando o rumo que os levasse ao sertão da Bahia. Nem cogitaram passar pelo Rio Doce. Souberam que seu nome-paladar mudara por conta de um acontecimento-crime perpetrado por uma mineradora cruel e de administração insensata. O rio estava amargo e morto; morto como o Fogo, de José Lins do Rêgo.
Seguiram adiante, rumo ao seu (deles) sertão. Num breve tempo, se viram na Serra da Canastra e beberam água límpida na nascente do Velho Chico. Descendo o rio São Francisco, já contavam com a companhia do surubim.
Preferiram tomar o rumo do Rio Itapicuru – no período colonial denominado Rio São Jerônimo – e foram parar nas bandas do Piemonte da Chapada Dimantina, município de Jacobina, onde está sua nascente. Neste rio ganharam a companhia de xiras, mandís e piáus e rumaram em procura de sua foz. Forçosamente haveriam de passar nas margens onde são banhados os municípios vizinhos Olindina e Nova Soure, o destino da caravana.
Um dilema: teriam que chegar ao Paiaiá e por lá não passa nenhum rio. O local mais próximo do rio Itapicuru, Carrapatinho (divisa entre Olindina e Nova Soure), fica a 8 km do Brejo – fazenda nos arredores do Paiaiá – ponto de partida com destino a São Paulo e local da moradia originária do Geraldo e seus familiares.
Buscaram orientações e passaram a caminhar-nadar, daí em diante em riachos, alguns perenes outros não.
Descambaram para o riacho da Várzea entre os municípios de Olindina e Nova Soure e foram se parar no açude da Varzinha; alí passaram a ter a companhia de um caboge (Callichthys callichtys).
Rumaram para o açude do Seremão e ganharam a simpatia de duas traíras, uma delas tão velha que já usava óculos. Pegaram o riacho paiaiá para chegarem ao ponto de destino, o Brejo.
A matilha-cardume encantava a todos pela sua organização e solidariedade.
Dois bem-te-vis gamela empreendiam voos rasantes, a sinalizar a caminhada-nado, como se fora “batedores” de veículos de grandes envergaduras transportando equipamentos para montagem de usina de energia eólica.
Os quero-queros (tem-tem ou espanta boiada), com seus silvos breves e longos, organizavam a parada do trânsito nos locais de mudança de rumo, como se fossem verdadeiros guardas de trânsito.
Uma revoada de anús, brancos e pretos, tomava a dianteira como anunciadora do comboio canino-pisci.
Chegada triunfante à Biblioteca do Paiaíá. Uma verdadeira apoteose; coisa jamais vista nessa terra.
Os pássaros a chilrearem sem cansar; os cães a latirem em dobrados, tal como os dos sinos da igreja; o vento chamando a chuva p’ra dançar, causando ciúmes à montanha. E o povo, efusivamente, aplaudia de pé.
Cação, todo prosa e de braços dados com sua Baleia, tomava a dianteira da caminhada-nado. Os piscis sempre borrifados pelo cetáceo companheira do chefe da matilha-cardume, para aplacar o calor e lhes garantir a sobrevivência, até que fossem recebidos por Vadinho de Nelito de Dolí e Francisco de Caçula, com o objetivo de fazerem rancho na Biblioteca do Paiaiá, em descanso, até chegar o momento da ida ao Brejo em busca do Geraldo.
Chegaram sãos e salvos, alguns debilitados, certo, mas sem maiores intercorrências.
Só uma decepção para o casal canino-pisci, não encontraram o Geraldo, mais uma vez.
Ele estava em viagem de lazer-estudo-trabalho à Escandinávia e Países Baixos, garimpando recursos para implementar novas frentes de ensinamentos aos leitores, frequentadores e admiradores da Biblioteca do Paiaiá e da população em geral.
Fala-se que Cação e Baleia, embora predadores naturais, se recusaram a caçar preás e outros pequenos animais para o sustento deles; fala-se que o cardume e a revoada que os seguiram e ovacionaram vão ficar para o evento do início do ano de 2016 que tem como tema central a proteção aos animais.
O Natal na Biblioteca do Paiaiá será uma festa diferente e alegrada pelos protagonistas desta inesquecível viagem.
Tonho do Paiaiá
Em, 28 de novembro de 2015