Não acreditaram. Ele desafiou a todos e fez!

Transcorria, no Brasil, momentos de euforia. Haveria um sério e esperado teste na retomada da democracia, após vinte e sete anos sem eleições livres e diretas para Governadores de Unidades Federativas e Presidente da República.
Estavam credenciados para disputa, em segundo turno, dois nordestinos – ainda que um deles radicado no sul do país há mais de três ou quatro décadas.
O candidato de oposição ao poder do momento – considerado de esquerda – era um metalúrgico que, anos mais tarde, conseguira eleger-se Presidente da República.
O candidato apoiado pela situação – chamado de direita – um jovem de família política tradicional, que exercera o mandato de Governador no seu estado natal e conhecido pelas bravatas de palanques sob a denominação de “caça aos marajás”.
Exercendo mandato eletivo de vice-Prefeito, em um pequeno e agradável município do interior da Bahia, resolvi emprestar toda minha dedicação à convivência com os munícipes e o eleitorado, mesmo sendo servidor público na área fiscal da azienda estadual e cumprindo expediente, regularmente, na Inspetoria Fiscal da região.
Por força do envolvimento e da obrigação de mandato político, visitava a família, na Capital do Estado, em finais de semana e/ou quando de participação em audiências nas diversas secretarias de estado, em busca de serviços e obras para a população que correpresentava.
Em algumas datas específicas, como aniversários – natalícios ou bodas – primeira comunhão, festas escolares, também fazia questão de estar junto aos seus familiares participando da alegria deles, por óbvio.
Ano de 1989, proximidade de eleições em segundo turno, deixara de participar de comícios em prol do jovem caçador de marajás para celebrar aniversário natalício da sua esposa – desde quando se uniram em matrimônio nunca passaram aquela data longe um do outro; sempre estiveram juntos, reunidos com os filhos e outros familiares.
Cumprira expediente na lida fiscalizatória de tributos estaduais e no atendimento pessoal aos munícipes, como o fazia todos os dias, e, somente à tarde, empreendera viagem à Capital da Bahia para a celebração do aniversário da mulher que escolhera para ser mãe de seus filhos e sua companheira à eternidade.
Como natural em qualquer agente político com mandato eletivo, não podia viajar no momento que desejasse. Havia sempre um chamado para uma opinião, uma orientação, um apoio, uma resolução de problema. Dessa forma viajara já lá pela metade da tarde, chegando ao destino com a noite instalada.
Ao chegar em sua casa, encontrara sua esposa com a face manchada por lágrimas, porém com semblante de alegria. Como entender tal situação?! Como entender uma pessoa derramando lágrimas com semblante de alegria?! Perguntara a si próprio, silenciosamente: seria somente pela celebração do seu aniversário?!
Procurara se acercar da motivação daquele lacrimejamento impulsivo e prazeroso. Que está acontecendo aqui? O que houve pra você estar chorando?, se dirigira à esposa com ares de preocupação e medo de resposta não desejada, por certo.
A aniversariante, tomara de um pequenino maço de folhas de papel de caderno espiralado, não uniformes, perfurado na extremidade esquerda e acima, com alguma ferramenta pontiaguda e unido por frágeis pedaços de cordão (barbante), estendera sua mão e dissera: “olhe o que seu filho fez comigo!”
Mais que rápido, abelhudo e preocupado em saber do que se tratava, pegara aquele maço de folhas de caderno, folheara pausadamente, e, acreditem, as lágrimas também visitaram sua face sem lhe pedir licença nem lhe respeitar a condição de varão.
Aquele maço não continha mais que dez folhas de caderno. A primeira delas servia como capa e continha a seguinte inscrição: “Poesias da Vida”, em letras tortas, desenhadas ao gosto do “tipógrafo” de ocasião e a última como contracapa, sem qualquer inscrição. Tudo à moda de edição de um livro de verdade; era essa a intenção do escritor.
O “livro” continha poesias, todas manuscritas, algumas falando da vida, outras do amor, outras de sentimentos da pessoa humana. Não esquecera, o escritor, de dedicar uma delas – poesias – ao cão poodle da família, que havia morrido há pouco tempo, chamado Veludo.
Após detida leitura daquele “livro”, com esmerado cuidado para não manchá-lo com o rio de lágrimas que lhe lavava o seu rosto, respirara fundo e chamara para perto de si o “poeta-escritor”.
Meu filho, foi você que fez isto mesmo? Você já ouviu falar em plágio? Um renomado cantor brasileiro está respondendo na Justiça pois um compositor afirmara ser dele uma das músicas do disco lançado pelo cantor e que fizera um sucesso de arrebentar.
O “poeta-escritor” sentindo-se desprestigiado e acusado não sabia lá de quê, demonstrara tamanha irritação a ponto de proferir um palavrão: “porra, ninguém acredita em mim…!” e ameaçara se retirar do recinto onde estávamos todos.
Aquele desabafo viera por conta da homenageada pelo “livro” também lhe ter feito a mesma pergunta, ainda que não tenha sido tão incisiva quanto a minha.
Minha atitude, naquele instante, fora de recuar e mudar o rumo da conversa. Era momento de acreditar naquela criança que, com pureza d’alma, produzira aquele “livro” para presentear sua mãe. Havia o risco de desencorajar aquele menino de pouco mais de dez anos, a completar nova idade dali mais trinta dias.
Dali em diante fora só alegria, beijos, afagos, celebrações, choros, risos, comentários, orgulho à flor da pele – dos seus pais, claro!
Agendado, com familiares, comadres e amigos um jantar num restaurante famoso da Capital, para lá se dirigiram todos. Não cessavam os comentários, a alegria, o choro, a satisfação e o orgulho, as apostas no futuro daquele escritor-mirim.
Bebidas à mesa, comentários eufóricos e orgulhosos; faces rubras em profunda surpresa; alegria irradiando o ambiente, a ponto de os comensais esqueceram a verdadeira homenageada – a aniversariante. O centro das atenções era o menino “escritor-poeta” que acabara de se revelar como tal.
A celebração, daquele momento em diante, era de conhecermos do que era capaz o “escritor-poeta”.
Mais uma pergunta surgira sobre a verdadeira feitura do “livro” e mais uma demonstração de grande irritação fora esboçada. O “escritor-poeta” não admitia, sob nenhuma forma, que duvidassem dele e da sua capacidade.
Pratos pedidos, bebidas servidas e sorvidas, conversa acalorada de alegria e orgulho. Tudo indo na maior satisfação; na maior algazarra civilizada, mas as lágrimas, agora de alegria, atingira a todos, não se afastaram daquele ambiente; eram visivelmente notadas por quem ali chegasse.
Chegara ao restaurante um amigo da família, médico de grande competência e, por sinal, amigo do “escritor”; gostava daquele menino, brincava com ele. Mas achara estranho o semblante de nós todos e não se conteve em perguntar: “por que as lágrimas ?”
Contado o episódio do “livro” Poesias da Vida e ele se interessara em folheá-lo. Finda sua leitura, se dirigira ao “escritor-poeta” com a clássica pergunta, antes por este ouvida, mais de uma vez.
Aquele menino, ainda a completar onze anos dali mais trinta dias, mais uma vez irritado, proferira o desabafo: “porra, ninguém acredita em mim….” e, levantando-se da cadeira, chamara o maitre e lhe diz: o senhor me consegue papel e uma caneta?
Virara-se para o médico amigo – após ter recebido o papel que desejara e ter tomado da minha caneta Parker 51 que carregava no bolso da camisa – e dissera, em flagrante desafio: diga o tema.
O médico, naquele momento sentindo-se enamorado de uma bela senhorinha, lhe diz: “ … arranjei uma garota nova e parece que estou apaixonado…”
O menino lhe respondera: basta.
E, escondendo o papel com uma das mãos, em posição de ângulo côncavo, passara a escrever, à vista de todos.
Ao final da escrita e após apor sua assinatura, dirigira-se ao médico e lhe perguntara: “ como é o nome dela?”
Recebida a resposta do nome da senhorinha, escreve ao lado: “para os meus amigos Larissa e Nika”.
Fizera a entrega do escrito ao seu pai e dissera: “leia, pode ler” como a passar uma reprimenda a todos que não acreditaram ser ele capaz de ser “escritor-poeta”.
O que foi produzido, naquela mesa de restaurante, à vista de todos e em desafio, está no fac-símile que compõe este texto – é uma poesia que diz do amor!

Fac símile

 poesiadetoni-inscrito

Tonho do Paiaiá
Revivendo um certo 14 de outubro e comemorando um 13 de novembro, aniversário do protagonista desta crônica.

Deixe um comentário