Bom dia, meu cumpádi Zé de Oláia!
Me conte, pelo amor de Deus, como vamicê se achou nessa táli de quarentena que o Guverno mandou pra nóis tudo fazer?
Vamicê ficou mesmo os quarenta dia dendicasa só com a cumádi Zifirina, o papagaio e aqueles dois cachorros pulicial dos óio azul?
Péra lá, meu cumpádi Filiciano, então num vá me dizer que vamicê num viu as notícias na televisão nem iscutou os homi da rádia ensinando a gente que essa táli de quarentena só tem catorze dias?!
Eu cá fiquei meio cabreiro, cumpádi Zé, mas Bizunga, minha muié, apoquentou meu juízo o tempo todo: “ Filiciano, hômi de Deus, se os hômi tão dizeno que é catorze é purquê é catorze mesmo, duas semana intupidinha”.
Ôxi Bizunga, apois se é catorze tinha de ser catorzentena e não quarentena – pra mim quarentena é quarenta dia, uma quaresma inteira – e não duas semaninhas chocha de nada.
Sei não, viu! Esse povo do Guverno me inventa é coisa. Além dessa duas semanentena, é um lusco fusco dos diabos; é um táli de lava mão, passa álcool, ispirra no braço, tampa a cara com papel, com lenço, chega da rua deixa as precatas do lado de fora, tira a roupa no rol da casa – uma senvergonheza do cão – corre pro banheiro e tome-lhe banho, esfrega cum bucha vegetal, sabão de soda e o chuveiro aberto sem parar. Num sei quanto a Cacimbasa vai me cobrar na conta d’água este mês, acho qui o dinheiro da aposentadoria num vai dá pra pagá, de tanto banho toda hora.
Istodia, fui no açougue de Zé Buchão comprar um pedaço de chupa molho e quando cheguei em casa a Bizunga fincou o pé na porta e gritou de lá de dentro: “ou tira a roupa ou num entra; sua fia Carmosa me ligou e me disse pra não deixar você ficar fruviando dendicasa com a roupa que foi pra rua de jeito ninhum”.
O jeito foi me esgueirar num canto do rol, tirar a roupa e rezar pra num aparecer a muié da limpeza ou então a vizinha abrir a porta pra levar o lixo lá fora, Óia, cumpádi Zé, foi um Deus nos acuda, uma tentação dos diabos, uma senvergonhice do satanás.
E num é só isso, viu! Fazia mais ou menos uns vinte e cinco ano que Bizunga não me via nu. Quando entrei na casa, a danada deu uma gargalhada tão longa que dona Fixiquina, vizinha do lado de riba, telefonou pra saber se a muié tinha ficado com o juízo mole. E num era pra menos, né! Afinal vinte e cinco ano não é uma quarentenazinha qualquer não.
E eu, discabriado qui só minino mijão, pra ixplicar ao vizinho que foi um surto de alegria, mas sem deixar qui ninguém desconfiasse o motivo da alegria, claro!
Apois bem, cumpádi Zé, siguimo tudo direitinho, direitinho, sem fartá nem pôr, e tamo vivo pra contá a história.
Passado tudo isso, óia só o que aconteceu: um tal de Braceta ou Dedeta, sei lá o quê, no último dia das semanentenas – num chamo quarentena qui Deus não deixa – ligou pra Bizunga pra dar um parabéns, se dizeno ele ser o chefe dos hômis que fiscalizou as casas pra saber se os veios tavam se comportando bem.
Diabo sabe quem foi esse fio duma égua que deu o número de Bizunga a esse fi de Jesus. Eu cá desconfio de Dona Jardilina, a infermeira do Posto de Saúde, que um dia foi lá em casa dar um injeição na muié que me apareceu com umas coceira no corpo.
Meu cumpádi Zé vigie só, assunte direitinho, quando a Dona Jardilina chamou na porta, que eu abri pra ela entrar, êta susto do levunco, cumpadi. A fia de Deus tava vestida numa roupa daquelas que o povo usa pra tirar mel de abeia no meio do mato, toda intiriçada que só movia os braços e arrastava as pernas, uma da cada vez. 
Dei um pulo pra trás e gritei: chega Bizunga que aqui tem um povo igual aos que viaja naqueles disco voador; acho que dessa vez nóis vai direto pro céu sem passar no cimitéro! Valei-me São Supriano!!!
Mas cumpádi Zé, todo esse sacrifício valeu a pena; lhe digo com o coração aberto, com felicidade e saúde garantida.
Nem eu, nem Bizunga, nem meus fios, nem a moça da roupa de tirador de abeia, nem meus vizinhos, ninguém pegou esse táli de coronavírus.
Agora tamo nóis aqui tudo sadio, seno parabenizado pelo Guverno e seno exemplo para toda cidade de Nunca Mais.
Tão dizeno até que o Guverno vai levar a experiência de minha casa pras cidade grande e vai filmar tudo e botá na televisão.
Veio uma muié do Guverno aqui em casa, levou Bizunga prum salão de beleza, mandou isticar os cabelo, escavucar as unhas e até pintou uma por uma. A véia tá pariceno manequim de loja da capital.
Pra mim mandaram fazê um islaque de mesclinha, me levaram numa barbearia, cortaram o cabelo, barba, apararam meu bigode e ainda me deram um chapéu de baêta ramenzonni 3 xís.
Tô todo impiriquitado, pariceno um senador. Também pra aparecer na televisão tinha que ser assim, se não ia parecer que a gente tava duente, né mesmo?!
Vamicê num imagina, cumpádi Zé, como nóis tamo orgulhoso de poder ter ajudado o Brasil e nossos irmão brasileiro a não deixar que essa doença da terra dos hômi dos ôio esticado passasse pra todo mundo e fosse uma mizera dos diabos.
O Brasil tá enfrentando essa coisa rúin com braços fortes, com seriedade, obediência e nóis não foge a luta!
Tonho do Paiaiá
em Quarentena Familiar
Reserva Imbassaí, 22 de março de 2020