Isolamento social nas terras do qualquer dia

“Mas se desejarmos fortemente o melhor e, principalmente, lutarmos pelo melhor, o melhor vai se instalar em nossa vida.”
Carlos Drummond de Andrade

Epa! Epa! Epa!

Já para dentro de casa, velho teimoso!

Olha só, lá coroa, fique onde o senhor está, pelo amor de Nosso Senhor Jesus Cristo, fique aí e não torne a fazer isso.Idoso casamelhorada

Está proibido velho andando rua acima e rua abaixo, o senhor não sabia?!

É ordem do Prefeito, do Governador e do Presidente – todo mundo junto.

Não ponha o pé na rua, um pezinho sequer, tá ligado?!

Avia ligêro Miquilina minha muié, se aprochegue cá, minha véia. Óia só cum quê tô me adeparano?!

Intonse agora a rua daqui tem dono, é?! E pelo qui iscutei né só um não, é três. Arre égua!

Isso é uma discumpusição maió qui um hômi cuma eu pódi passar na vida, minha véia!

Tu deixa de tanto tá arrismungano de tudo Supriano meu marido.ráido antigo Intonse vamicê tá falano sozinho aí, cuma a rádia de seu Juquinha, prefeito da Natuba, na “hora do brasil”?!

O qu’é qui tá se sucedeno com vamicê, criatura de Deus? Num tá vêno não, qui tô catando o feijão pra cozinhá pra nois cumê quando o sóli tivé a pino?!

Êta hômi injuado dos pé de zé sereno. Minha Santa Dulce dos Pobre, cuida do juízo desse hômi, parece qui vai ficá abilolado de vez, nessa quadra de tanta miséra e tanta doença nesse mundo de meu Deus.

Assunte só vamicês: foi só chegá essa táli órdi do povo ficá dendicasa, prumode este hômi ficar abuletado.

É o tempo todo indo dum lado pro ôto; de casa pru quintal, pru curral, pru pulêro e volta e vai; é um istica e puxa do tamanho do mundo, viu! é um forrobodó da peste.

Umas hora ele arruma os arreio da carroça, ôtas horas enseba os lóro da sela, os roló, as pernêras, as brochas de encangar os boi, a corda de couro; ôtas vez canta uma mudinha do tempo do cuspe e, as vez inté se mete a varrer a casa – é siná dos tempo minha gente; é siná dos tempo!, nestes tempo qui tamo junto – uns sessenta e tantos ano entre namoro e casório – nunca essa criatura pegou numa vassoura, nem mermo pra tirá dum lugar e botá nôtro.

Miquilina, tem um fio d’uma égua aqui, escanchado inriba d’uma bicicleta, zuadenta que só o motô da luz, me passando uma carraspana do tamanho do buraco do vento, lá do Tucano.

O cába tá improibino d’eu ir alí na casa de cumpádi Rafaé, tirá um didalzin de prosa cum ele e cum a cumádi Sinhá.

Sabe, Miquilina, é prumóde qu’eu quero dizê a eles que o afiado deles, nosso fio Xiquitinho, mandou lembrança lá de Sum Palo e tamém das miséra qui tão aconteceno por lá, cuma ele me disse ônti, pelo celulau, na hora qui o sóli se pôs.

Adonde já se viu uma miséra dessa, Miquilina?!

Eu, cá c’os meu novent’anos nas costa, nascido, criado, morano, trabaiano, e havêi de morrê aqui, – qui nunca na minha vida fui siquer chamado pelo Ispetor de Quarteirão, prumódi ir numa Delegacia de Puliça – sendo barrado, na porta de minha própi casa, pur um frangote de gente qui ainda tem idade de ser meu birneto.

Valei-me Jaquim Ega – como dizia Zeca de Benbém – será qui o mundo vai acabá mermo, minha véia? Um hômi cuma eu, titela lisa, trabaiadô qui só o diabo, temente a Deus Nosso Sinhô, si dobrano a um frangote desse?!

Tem nada não. Tem nada não, pelo que tô divurgano nas feição desse minino, ele é do povo de cumpádi Zé Cornetêro. Adispôs vou lá na casa dele fazer minha queixa e cobrá dele que dê côbo aos neto dele, purquê dos meu eu dô e agaranto.

Vamicê, minha muié, tá alembrada daquela surra qui dei, com vara de cipó cabôco, no minino de nossa fia Zidora, meu neto Calanguinho, só purquê o disinfeliz – qui São José mi perdôe pela má palavra – mangô de d. Tranquilina quando ela saiu vistida, só de anágua e sem a saia pur riba, e ela veio da parte dele a nois, já qui a mãe nun tava aqui?

Apois, s’esse franguinho fosse da nossa famía, ele ia se abuletá cumigo hoje mermo, viu! Eu ainda me agaranto, no mínmo uns três minuto, cum pilunguinha de pau d’arco qui tenho guardado aí no nosso quarto de durmir.

Apois tá bunito, veja só Miquilina:

Eu, um hômi de respeito, sem devê um franisco de nada a ninguém e nem a Justiça, tê qui ficá preso dendicasa, cuma se fosse na cadeia, pur orde de quem nem conheço – e, com a graça de Deus nosso, Pai, num quero cunhecê – e, ainda pur riba, tê de iscutá lorota dum frango d’água desse, qui não sarô do fedô do mijo ainda.

É fim de mundo mermo, minha véia! É fim de mundo!!!

Supriano, Supriano, fio de D Maricota, minha sogra, tu num tá vêno as nutícia nas rádio e nas televisão não, fio duma jéga de aguadêro?!!

Apareceu, no Brasí e no istrangêro, no Mundo todo de meu Deus, uma táli duença qui os dotô botáro o apilido de vírus – e parece qui essa vêio dos inferno mermo.

Dizem inté qui tem o nome de Corona, iguá ao dessa planta qui nasceu no munturo daqui dicasa. Vixe mãe do céu, arranca logo esta disinfiliz dos diabo, Supriano, vai logo, vai logo criatura; já tô toda arrupiada só de pensar.

Vá lá qui os hômi do governo discóbri ela aqui e pódi inté dizer que nois tem curpa no cartóro também, eu hein, num é de duvidar, vamicê sabe?!

Onti meio-dia, eu uví na rádia qui o minino de Cabelinho de Zé de Gracino fala todo sábado, que essa táli de doença tem um nome istranho do cão, qui os cientista butáro nela.

É até um nome qui num é feio de todo não; pois fala em convidá num sei quem, táli e coisa – e num pode ser muita gente não, pelo qui divurgei nas oiças só pode tê convite prá 19.

Êta povo besta esses cientista, estudam cuma peste, num cômi direito, num dormi direito, é tudo cum cabelo arrupiado – inté parece qui nuca viu pente – barba pariceno dum ismolé, trancado num lugá di vrido, e paráro logo in 19 – COVID-19. Num pudiam fechá logo nos 20, qui é de rombo, cuma diz o hômi que canta os bingo da igreja?!

Pra completar, Supriano, o povo, as televisão, as rádia, os dotô, os infermêro qui dá injeição na gente, todo esses fio de Jesus, tão chamando a doença de CORONAVÍRUS – óia a corona pelo meio dinovo!.

Tu já assuntô, meu marido, s’esse povo discobre esse pé de corona no quintá daqui dicasa?!

Havia de sê um Deus nos acuda, num era?!

Era uma romaria de tanta gente aqui, uns repórte hômi cum cabelinho empastado, cheio de vasilina ou ólho de côco; umas repórte muié cum a cara intupida de pó de arroz e ruge, os cabelo dos óio pintado de toda côr, # olhoumas saia justa, impinando a bunda, umas blusa lascada amostrando os peito até quase aparecê os bico dos coitado, umas calça cumprida, tão justa qui desenha as vergonha de baixo, todos ele esbafurido, impurrano uns aos ôto, pidino a nois pra intrá no quintá e tirar retrato da planta, pra nois falar naqueles bicho qui eles traz e qui mais paréci uma mão de pilão dum lado só, tirano retrato da gente e inté botano nossa cara na televisão – tá tudo arrivirado, de ponta-cabeça, Supriano, niguém mais tem vergonha de nada não, meu véio.

Deus do céu e Nossa Senhora da Conceição qui nos livre disso! Tenho rezado o Ofício, todos dia da sumana, e é dimadrugadinha, pidino a Ela proteção pra nois, pros nossos fios, neto e birneto; mais vamicê, cum sua priguiça dos diabo, é que num m’acompanha todo dia, reza de caju in caju, mas vale.

Bem meu cumpanhêro véio de vida – derna meu quinze ano de idade – é peuciso assuntar direitinho pro qui tá se sucedeno no mundo todo, viu?!

Vamo tomá tinênça na vida e cumprí as órdi do Guverno e dos dotô médico.

É pra todo bichin ficá dendicasa, s’afastando do povo da rua.

Só dévi saí na rua pur muita nicissidade mermo.

Se for pralgum lugar, é preciso ir cum o nariz e a boca tapado com pano ou cum prástico, amarrano cum elástico e dipindurano nas urêa, mermo qui as pessoa tenha óculos.

Os dotô diz que o nome disso qui tapa a boca e o nariz é máscara e qui, se num achá prumôdi # mascaracomprá ou se o guverno num dér a nois, a gente pode fazê in casa mermo, cum pano limpo, mais num pódi sê fininho demais como madrasto de forrá caixão de difunto; tem qui sê de augudão, anarruga ou ôto mais forte ainda.

Tem mais ainda, viu Supriano, quando chegá nos lugá, tem qui melar as mão c’um táli de árcu gel ou lavá cum água e sabão, isfregá direitin por dento dos dedo indo inté um pedaço do braço, mais ou meno um meio pármo depois das mão.

Quando chegá da rua, num entre direto in casa cum os calçado qui tava não. É preciso limpá a sola com água sanitária misturada cum água. Eles diz qui só carece misturá meio copo d’água sanitária num litro d’água, do pote ou da tornêra mermo e pronto.

A roupa qui tava usano na rua, num botá inriba da cama ou das cadêra da casa. Tem qui guardá num lugar isolado, um canto onde não é muito usado, no fundo da casa, prá adispôs sê lavada e gomada cum ferro bem quente.

Ainda tem ôtos consêio dos dotô:

  1. se vamicê tivé com uma febrinha pequena, o corpo quente, mas sem tosse e sem intupimento dos nariz, basta tumá um remédio de febre e aguardá cuma fica;
  2. se a febre aumentá, o corpo ficá mole, ficá duêno as junta, o nariz intupido e tivé tosse, procure um Posto de Saúde perto de sua casa. Lá os dotô e ou os infermêro vai cuidá de vamicê direitinho, num tenha medo, tudo vai ficá bem;
  3. eles tão orientano qui num é pra ir direto prus hospitá não, pra num inchê dimais cum gente qui num pricisa ser internado e as vêz tomá o lugá de quem mais pricisa.

Apois intonse, Supriano, meu véio, vamo ficar aqui DENDICASA isperano o Guverno dizê quano tá tudin liberado e, aí, nois vai pra tudo quanto é lugá, inté pra casa de nossa fia Guadalupe, lá no Paiaiá.

É de vê qui êsse povo rico vai vortá a ir pro istrangêro logo, logo; de navio, de avião ou de trem, se tivé.

As fêra dur lugá vão vortá a vendê as coisa – tô pensando cuma vô cumprá o fumo de corda pro meu cachimbo, qui já tá quási fartano, num sábi! – as casa comerciá de todo lugá vai vendê tudo, fiado ou a dinhêro; os artista vão pudê cantá, fazê novela, pulá de riba do circo, os paiáços não pudê contá um monte históra pra tudo mundo dá risada. E aí a vida ségui normá, normá, até o dia qui Deus quisé.

Mais tem uma coisa, pur infilicidade de tudo isso, num vai tê o São João no meio da rua este ano; num vai tê pé-de-bode, oito baixo, zabumba e os iscambáu; num vai tê arrasta-pé, nem fuguêra, nem nada, vai sê uma lezêra danada.

Os hômi do guverno já disséro qui não e pronto!

Mais eles tem razão, sabe; é prumóde qui num tem dinhêro pra festa não, a gastança cum os hospitá e cum remédio é grandona mermo, do tamanho da água do rio do amazona.

FIQUE DENDICASA – faça a sua parte, colabore com a medicina e os profissionais da área, com a governança municipal, estadual e federal – colabore consigo mesmo.

Ajude a evitar que esta pandemia se alastre por tudo quanto é lugar!

Só depende de você, leitor!

Leve esta mensagem a quantos lhe ouvem ou lhe vê.

Eu fiz a minha parte, faça a sua!

Espero estar colaborando com o enfrentamento dessa situação toda, que requer cuidados e obediência, acima de tudo!

Tonho do Paiaiá

Em isolamento social com familiares – Reserva Imbassaí, Sábado de Aleluia de 2020

 

A fonia na TV e o tom de Tom

A leitura engrandece a alma.

Voltaire

Hoje, no início do dia, estava assistindo a um programa de jornal televisivo quando meus ouvidos gritaram com espanto.

Vejam o porquê do espanto.

A jornalista que levava as notícias ao ar, ao indicar acontecimento em uma determinada artéria urbana da Cidade do Salvador, dissera – e repetira mais de uma vez – que o ocorrido teria sido na Rua TeodÚlo (fonia utilizada) de Albuquerque.

Ora, para que todos saibam, TeÓdulo de Albuquerque fora um médico baiano, pilão-arcadense, que militara na política, sendo constituinte, na Câmara dos Deputados, nos idos da década de 1940 do século passado.

Pasmado com a fonia empregada pela jornalista, fiz publicar, em meu perfil, na rede social Facebook, minha indignação – vou omitir o nome da emissora, obviamente.

Assim publiquei:

Deus, meu Deus!
Gente avise a esse povo do Jornal xxxx – TV xxx (afiliada xxx) – que a pronúncia do nome da rua não é “teodÚlo” e sim teÓdulo.
É preciso ler, ler, ler, senhores(as) jornalistas,”

A publicação merecera comentários diversos, de amigos, ou não, na rede social citada, e uma grande quantidade de curtidas.

Não escapei à acurada observação do amigo Tom Torres, coincidentemente irmão do festejado e respeitado escritor, membro da Academia Brasileira de Letras, Antônio Torres e primo de outro escritor, de amizade mais próxima de mim, Marcelo Torres.

Tive sabendo que também o meu amigo Tom Torres é escritor, com trabalhos e livros publicados.

O Tom Torres, do alto da sua fina e sagaz escrita, de tom alegre e, porque não dizer, apimentado, tomou da sua pena e publicara, também em seu perfil na rede social Facebook, uma crônica-prosa digna de louvor. Crônica frugal; uma pérola; uma narrativa exemplar, com o título: No Paiaiá é assim: escreveu, não leu, é analfabeto  tom torres

Ao ler a publicação do Tom, me derramei em risos, além de me sentir regozijado, não só pela citação do meu Paiaiá como deste escrevinhador sibite, metido a escritor – risos oportunos, mais uma vez.

Tomei da minha pena virtual – nesses tempos já não mais se fala em lápis, caneta, pena a nanquim, máquina de datilografia e outros mais; ou é computador, ou é laptop, ou é iPad, ou é o aparelho celular mesmo – e fiz uma prosa, em tom, caipira para agradecer a publicação do Tom Torres.

Vamos a ela:

Tom Torres vamicê num iziste, táuvino?!!!

Beleza de crônica a sua. Mangando d’eu, só purquê eu pedi, e foi pur amô de Deus viu, pra avisar as mininas da televisão qui elas tavam prununciano o nome de seu Teódo como Teoúdo – nem sei mermo se ele era tinhundo assim, meu irimão, sei mesmo é quase meus uvido papoca, zunino cuma gota, de tanto a mocinha prununciá errado o nome dele.

Aí vamicé tacou o dedo pra riba e iscrivinhou uns negóço, bunito cuma pêga, chega todo mundo s’admirou, deu risada, bateu palma, etc e táli. Inté seu irimão Reimundo achou q’eu ia me zangar cum vamicê. Foi mermo!

Eu zango nada, seu Reimundo!

Intonse eu sou lá doido de me azangar com gente letrada?!!!, que o senhor São José do Paiaiá qui me livre e me proteja!

No Paiaiá num tem disso não, Tom!paiaiá-mercado-sem telhas

Lá “todo mundo fala, todo mundo ouve”, até mesmo quem é surdo e quem é mudo, j’ouviu?!!!! – como diz na rádia, aquele hômi qui foi prefeito da Baia duas vez; um que o povo chama por duas letra, o mê e o ká.

Me alembro que, isturdia, têvi pur lá um povo do Junco (da Maiáda da Péda, cuma dizia seu Ramiro Vieira, prefeito da Natuba entre 1951-1954), uns hômi istudado, iscritô de livro, jorná, cartía e o diabo a quatro, deitaram falação e nois tudo assuntando e dizeno: sim sinhô, ô hômi qui fala bunito. Parma minha gente!

Tinha um báribudo c’uma máquina de tirar retrato, pindurada numas furquia de ferro, sem sair do lugar, e era só: tic tic, tic tic. Num sei cuma num gastou a cara daquele povo todo qui tava ali. Foi; foi isso mermo, viu.

Tinha outro que iscreve um bandicoisa pro jorná, prum tá de blog – nem sei quem esse cabra qui chamam de blog não. Eu conheci Bógi, um fio ou neto de iscravo, num sei, vindo lá dos lado dos Catorze do Inhambupe, qui era coveiro na Natuba.

Me disséro que esse escrivinhador mora lá prás banda adonde os pulítico faz de conta que trabaia.

Me disséro, inté, qui tem um qui nem morrer morre. É imortá. Tu já viu uma farta de respeito a Deus, dessa qualidade?!.

Eles toda hora diz qui o caboco é imortá. Onde já se viu um negóço desse?!

Disséro q’ele se mudou pro Rio de Janeiro e lá déro a ele um táli de fardão todo custurado e bordado de ouro – que quando ele veste aquela roupa, fica todo impiriquitado, pariceno um marechá de guerra, qui é capaz de nem si virá prum lado e pro outo; mais qui o cabra fala bunito fala, isso eu vi, seu minino.

Óia só. No dia qui o hômi da roupa custurada cum ouro tava falano lá no Mercado e Talho Payayá – o mercado ainda tava saudio e tinha as têias imrriba cubrino tudo – disse pra quem quizesse iscutá que ele, quando era minino de iscola lá no Junco, “queria ser Castro Alves”.

E vamicês todos, meus conterrâno, tem tinência de quem era o hômi que o minino quiria ser?

Num tem não, num é?!, apois intônse s’aprumi, viu.

Eu vi, lá na Biblioteca de Doutor Geraldo Prado (pra mim inda é Geraldo de Maria de Dolí, purquê quando eu era minino, no Paiaiá, ele andava c’um badogue, de furquia de velande e burracha de câmara de ar do caminhão de seu Quinha, pindurado no pescoço; um aió de crauá iscanchado no ombro e dento dele uma ruma de bala de tubatinga, feita embolando nas mão lá na beira do tanque de seu Zé Piqueno de Sinhá, pra atirar em passarinho, todo mundo chamava ele assim) qui esse Castro Alves era um poeta respeitado; qui lutou pra livrá os escravo; qui era cunhicido no Brasí todo e até no istrangêro; e qui, pela má sorte da vida, morreu minino, só tinha 24 ano de idade. Tá veno qui lástima; tanta gente ruin cuma peste qui vive até 100 ano e aquele fi de Jesus foi simbora tão cedo.

Vadinho de Nelito de Dolí tava lêno essa istóra lá pra nois uvir; inté disse uns veussos do hômi que já morreu, um que tinha uns navio pelo meio trazeno uns nêgo do estrangeiro pra ser escravo no Brasí.

Mas seu minino, quando seu Vadinho acabou de lê aquilo tudo, era gente chorano, era gente surrino, era gente sambano, era gente bateno palma, e eu, cá dum lado, no meu cantin, caladin assubiano, só fiz dizer: boa seu minino. Isso é qui é hômi de verdade, esse táli de Castro das Ave.

Bem, meu caro Tom do Junco, Tonho do Paiaiá só pôde escrever isso para lhe agradecer a prosa.

Reserva Imbassaí, 6 de abril de 2020

Papo reto com Pessoa

Vamos passar lá no Pessoa, minha gente!!!!!!

Pessoa?!!!

Quem?! Uma pessoa, uma gente, um homem, uma mulher, um menino, uma menina?!!!

Não, Quim.

Pessoa é Fernando Pessoa: um português que fez sucesso na Europa, no mundo e no Brasil, mesmo escrevendo poesias e livros, daqui de Lisboa. Escreveu um monte de coisas bonitas e admiradas por todos.

Ele viveu entre 1888 e 1935. Veja que tem muito tempo isso; mais de oitenta anos atrás. Nem seus avós tinham nascido ainda.

Era um homem inteligente, traduzia livros do inglês para o português e deste para o inglês. Era, realmente um homem sabido e respeitado no mundo afora.

Tem uma particularidade, ele também usava alguns nomes para publicar seus escritos, suas poesias – sabe como seu avô usa o Tonho do Paiaiá ?! – isso mesmo: ele usava outros nomes, o mais conhecido deles Álvaro de Campos.

A isso se dá o nome de heterônimos ou pseudônimos: as pessoas usam um nome diferente dos delas e são conhecidas assim, como alguns artistas de novela ou teatro fazem sempre.

Você sabia que o nome de Sílvio Santos não é Sílvio Santos? É outro, Senor Abravanel. Como muitos outros que você vê na televisão, por exemplo e, em alguns casos, no Youtube, daqueles rapazes ou moças que fazem “live” que você tanto gosta.

Sim, tudo bem; tudo bem!

E o que vocês tanto falam em ir “lá no Pessoa”?!

Vocês mesmos dizem que ele já morreu há muitos, muitos anos!

É apenas uma forma de dizer, Quim!

Na verdade, a gente está chamando pra ir à praça onde fica a estátua de Fernando Pessoa.

Estátua?! Que é isso?!!!

É como se fosse um retrato igual à própria pessoa. Pronto: como se fosse um boneco de cera, de barro, de ferro, de bronze, de plástico, igual ao corpo da própria pessoa – mais ou menos igual àqueles de super-homem, homem aranha, etc., que você tanto brinca.

Ah, tá! Agora entendi.

E como que eles fizeram este boneco de quem já morreu tem tanto tempo?! Onde acharam o corpo dele pra fazer a forma?!

Olha Quim, você já ouviu falar em artista plástico? É uma pessoa que estuda e faz desenhos, quadros, pinturas e cópia de coisas, animais ou gente mesmo. O artista, a partir de uma fotografia de alguém, elabora o molde, a forma e depois, na oficina, dele faz a cópia, que alguns chamam imagem, outros réplica e alguns outros estátua.

É uma forma de homenagear as pessoas importantes ou que fizeram o bem, ou que escreveram poemas, livros, etc.; de dizer que a pessoa foi ou é importante para o país, para o mundo, para a arte, para a literatura, para o futebol, para a história.

Você tá lembrado que lá em Salvador tem a Praça Castro Alves?! Lá onde os trios elétricos se reúnem para se despedirem do carnaval?!

Sim, sim. Uma vez passei por lá com meu pai e vi um homem em pé, parado e com o braço pra frente, não sei mostrando, apontando ou pedindo o quê! Só sei que tá lá que não se move do lugar.

Pois. Aquilo ali é uma estátua de Castro Alves que o governo mandou fazer pra homenagear o poeta baiano e colocou na praça com o nome dele. Não é legal isso?!

Sei lá! Isso é coisa de vocês adultos. Eu só “sou um pré-adolescente” não sei tudo isso que vocês sabem ainda não!

Então, vamos pegar o elétrico ou o comboio para irmos pra lá.

Ôxi! Elétrico?!!! Vocês vão é tomar um choque daqueles grandes e cair sentados.

Lá na escola a professora disse que não se deve pegar onde tem energia elétrica porque dá choque e pode até morrer.

Não, Quim! Elétrico aqui é como eles chamam o bonde. Um pequeno trem, movido a eletricidade; como se fosse um pedaço de metrô que anda pelo meio da rua, para transporte de pessoas.

Sim. E o que é comboio?

Comboio é o mesmo que trem; só que bem maior, com vários vagões, serve para transporte de pessoas e de cargas.

Deslocam-se ao largo do Chiado, onde se deparam com o Pessoa – em bronze – “em frente ao Café a Brasileira, um local histórico fundado em 1905, onde os poetas e escritores se reuniam nas mesas na calçada para debaterem sobre assuntos culturais.”

Inevitável o papo reto entre o Pessoa de bronze e o pessoinha em carne e osso, de nome Joaquim, mas carinhosamente tratado por todos de Quim – um brasileirinho, baiano, muito curioso e de mente aguçada.

O Quim, tomou de uma cadeira de um daqueles cafés, e sentara-se ao lado esquerdo do Pessoa. Quim&PessoaEntendo desnecessário  lhes dizer da felicidade de poder papear com um dos maiores poetas lusitanos.

Quim: de perna cruzada e ostentando óculos escuros, atento a tudo que se passava, se dirigira ao Pessoa, e, educadamente, fala à estátua – posso sentar aqui ao seu lado, poeta Pessoa, pra gente levar um papo reto?

Pessoa: diz-me cá ó miúdo, donde tu vens, qual o teu nome? Estás a sós?

Quim: ôôô seu Pessoa, sozinho não pode ser, não é?! Sou um miúdo, como o senhor disse, não posso viajar sozinho; estou com minha mãe, minha avó e minhas tias. Meu nome é Joaquim, mas me chamam Quim, sabe; venho da Cidade do Salvador, Estado da Bahia, a primeira Capital do Brasil, que por sinal foi fundada por um conterrâneo do senhor.

Pessoa: ora pois, miúdo Joaquim, então tu és das terras do poeta Castro Alves, de quem muito admirei as poesias, principalmente pela cruzada firme e corajosa em favor dos escravos!. Estou a ver que és muito sagaz e senhor de si quando falas. Diz a mim, chegastes hoje a Lisboa?

Quim: Olha só seu Pessoa, que legal hein! Lá em Salvador tem uma estátua desse poeta que o senhor falou. Só que ele está em pé com a mão estirada e colocaram num lugar bem alto, por isso não dá pra gente conversar com ele como estou conversando com o senhor; só o povo do trio elétrico, eu acho, nos último dia de carnaval, que ficam todos arrodeando ele, tocando e cantando músicas. Não seu poeta, nós chegamos ontem. Estávamos na casa de minha “Tia Doce”, em Munique, Alemanha, ali bem pertinho daqui. Creio que o senhor conheça, afinal é aqui na Europa.

Pessoa: mas, o que fazes a cá em terra de além mar, ó miúdo? Vieste somente a me ver? ou a passear e apreciar as coisas bonitas de Lisboa? Tu já leras alguma poesia minha?

Quim: somente a ver o senhor?!!, nãooooo!!! Vim passear, conhecer os lugares bonitos da cidade e, aproveitei pra levar um papo reto com o senhor. Lá na minha escola a professora disse que o senhor é um dos maiores poetas de Portugal e que fez muito sucesso também lá no Brasil. Como sou ainda muito novo, não leio poesias de adulto, o que é uma pena. Mas prometo ao senhor que quando crescer vou ler um montão delas.

Pessoa: “levar um papo reto”?! De que falas tu, ó miúdo? Não dou a conhecer este teu falar, aliás pouco usual cá entre nós portugueses; “papo reto”?! o que é isso, podes me explicar?!

Quim: mas poeta, então o senhor não sabe?!!!, nada demais falar assim. Sempre usamos estas palavras quando queremos levar uma conversa frente a frente com qualquer amigo ou colega. Isto é, conversar numa boa, falar do que quiser falar e bem entender, etcetera e tal.

Pessoa: ora pois, miúdo Joaquim, só agora estou a saber, por ti, de que conversar com alguém é “levar um papo reto”. No tempo que estive a fazer poesias e escrever livros não se falava nesse tal de “papo reto”, do que deduzo ser uma gíria usada por vocês jovens dos tempos atuais.

Quim: seu Pessoa, gostei muito de papear com o senhor. Vou dizer lá no Brasil que lhe conheci e que levamos aquele papo reto. Muito obrigado por me ouvir e me dizer das coisas de Portugal.

Pessoa: ó miúdo Joaquim, cá estou eu em alegria por ter conversado contigo e saber que tens interesse em, no futuro, ler poesias minhas. Eu é quem te agradeço por este momento tão singelo e especial.

Papo encerrado, entre o Pessoa, o português de bronze, e o pessoinha de carne e osso, o miúdo brasileiro, o Joaquim, nosso Quim.

Dá-se a ver que fora uma conversa bem centrada e cheia de curiosidades. Um a falar o português originário e outro falando o português adaptado e corrente em seu país.
Quim Sacoleiro
Tonho do Paiaiá

Em distanciamento social e com saudade do meu Quim.

Reserva Imbassaí –– 4 de abril de 2020