A leitura engrandece a alma.
Voltaire
Hoje, no início do dia, estava assistindo a um programa de jornal televisivo quando meus ouvidos gritaram com espanto.
Vejam o porquê do espanto.
A jornalista que levava as notícias ao ar, ao indicar acontecimento em uma determinada artéria urbana da Cidade do Salvador, dissera – e repetira mais de uma vez – que o ocorrido teria sido na Rua TeodÚlo (fonia utilizada) de Albuquerque.
Ora, para que todos saibam, TeÓdulo de Albuquerque fora um médico baiano, pilão-arcadense, que militara na política, sendo constituinte, na Câmara dos Deputados, nos idos da década de 1940 do século passado.
Pasmado com a fonia empregada pela jornalista, fiz publicar, em meu perfil, na rede social Facebook, minha indignação – vou omitir o nome da emissora, obviamente.
Assim publiquei:
“Deus, meu Deus!
Gente avise a esse povo do Jornal xxxx – TV xxx (afiliada xxx) – que a pronúncia do nome da rua não é “teodÚlo” e sim teÓdulo.
É preciso ler, ler, ler, senhores(as) jornalistas,”
A publicação merecera comentários diversos, de amigos, ou não, na rede social citada, e uma grande quantidade de curtidas.
Não escapei à acurada observação do amigo Tom Torres, coincidentemente irmão do festejado e respeitado escritor, membro da Academia Brasileira de Letras, Antônio Torres e primo de outro escritor, de amizade mais próxima de mim, Marcelo Torres.
Tive sabendo que também o meu amigo Tom Torres é escritor, com trabalhos e livros publicados.
O Tom Torres, do alto da sua fina e sagaz escrita, de tom alegre e, porque não dizer, apimentado, tomou da sua pena e publicara, também em seu perfil na rede social Facebook, uma crônica-prosa digna de louvor. Crônica frugal; uma pérola; uma narrativa exemplar, com o título: “No Paiaiá é assim: escreveu, não leu, é analfabeto” 
Ao ler a publicação do Tom, me derramei em risos, além de me sentir regozijado, não só pela citação do meu Paiaiá como deste escrevinhador sibite, metido a escritor – risos oportunos, mais uma vez.
Tomei da minha pena virtual – nesses tempos já não mais se fala em lápis, caneta, pena a nanquim, máquina de datilografia e outros mais; ou é computador, ou é laptop, ou é iPad, ou é o aparelho celular mesmo – e fiz uma prosa, em tom, caipira para agradecer a publicação do Tom Torres.
Vamos a ela:
Tom Torres vamicê num iziste, táuvino?!!!
Beleza de crônica a sua. Mangando d’eu, só purquê eu pedi, e foi pur amô de Deus viu, pra avisar as mininas da televisão qui elas tavam prununciano o nome de seu Teódo como Teoúdo – nem sei mermo se ele era tinhundo assim, meu irimão, sei mesmo é quase meus uvido papoca, zunino cuma gota, de tanto a mocinha prununciá errado o nome dele.
Aí vamicé tacou o dedo pra riba e iscrivinhou uns negóço, bunito cuma pêga, chega todo mundo s’admirou, deu risada, bateu palma, etc e táli. Inté seu irimão Reimundo achou q’eu ia me zangar cum vamicê. Foi mermo!
Eu zango nada, seu Reimundo!
Intonse eu sou lá doido de me azangar com gente letrada?!!!, que o senhor São José do Paiaiá qui me livre e me proteja!
No Paiaiá num tem disso não, Tom!
Lá “todo mundo fala, todo mundo ouve”, até mesmo quem é surdo e quem é mudo, j’ouviu?!!!! – como diz na rádia, aquele hômi qui foi prefeito da Baia duas vez; um que o povo chama por duas letra, o mê e o ká.
Me alembro que, isturdia, têvi pur lá um povo do Junco (da Maiáda da Péda, cuma dizia seu Ramiro Vieira, prefeito da Natuba entre 1951-1954), uns hômi istudado, iscritô de livro, jorná, cartía e o diabo a quatro, deitaram falação e nois tudo assuntando e dizeno: sim sinhô, ô hômi qui fala bunito. Parma minha gente!
Tinha um báribudo c’uma máquina de tirar retrato, pindurada numas furquia de ferro, sem sair do lugar, e era só: tic tic, tic tic. Num sei cuma num gastou a cara daquele povo todo qui tava ali. Foi; foi isso mermo, viu.
Tinha outro que iscreve um bandicoisa pro jorná, prum tá de blog – nem sei quem esse cabra qui chamam de blog não. Eu conheci Bógi, um fio ou neto de iscravo, num sei, vindo lá dos lado dos Catorze do Inhambupe, qui era coveiro na Natuba.
Me disséro que esse escrivinhador mora lá prás banda adonde os pulítico faz de conta que trabaia.
Me disséro, inté, qui tem um qui nem morrer morre. É imortá. Tu já viu uma farta de respeito a Deus, dessa qualidade?!.
Eles toda hora diz qui o caboco é imortá. Onde já se viu um negóço desse?!
Disséro q’ele se mudou pro Rio de Janeiro e lá déro a ele um táli de fardão todo custurado e bordado de ouro – que quando ele veste aquela roupa, fica todo impiriquitado, pariceno um marechá de guerra, qui é capaz de nem si virá prum lado e pro outo; mais qui o cabra fala bunito fala, isso eu vi, seu minino.
Óia só. No dia qui o hômi da roupa custurada cum ouro tava falano lá no Mercado e Talho Payayá – o mercado ainda tava saudio e tinha as têias imrriba cubrino tudo – disse pra quem quizesse iscutá que ele, quando era minino de iscola lá no Junco, “queria ser Castro Alves”.
E vamicês todos, meus conterrâno, tem tinência de quem era o hômi que o minino quiria ser?
Num tem não, num é?!, apois intônse s’aprumi, viu.
Eu vi, lá na Biblioteca de Doutor Geraldo Prado (pra mim inda é Geraldo de Maria de Dolí, purquê quando eu era minino, no Paiaiá, ele andava c’um badogue, de furquia de velande e burracha de câmara de ar do caminhão de seu Quinha, pindurado no pescoço; um aió de crauá iscanchado no ombro e dento dele uma ruma de bala de tubatinga, feita embolando nas mão lá na beira do tanque de seu Zé Piqueno de Sinhá, pra atirar em passarinho, todo mundo chamava ele assim) qui esse Castro Alves era um poeta respeitado; qui lutou pra livrá os escravo; qui era cunhicido no Brasí todo e até no istrangêro; e qui, pela má sorte da vida, morreu minino, só tinha 24 ano de idade. Tá veno qui lástima; tanta gente ruin cuma peste qui vive até 100 ano e aquele fi de Jesus foi simbora tão cedo.
Vadinho de Nelito de Dolí tava lêno essa istóra lá pra nois uvir; inté disse uns veussos do hômi que já morreu, um que tinha uns navio pelo meio trazeno uns nêgo do estrangeiro pra ser escravo no Brasí.
Mas seu minino, quando seu Vadinho acabou de lê aquilo tudo, era gente chorano, era gente surrino, era gente sambano, era gente bateno palma, e eu, cá dum lado, no meu cantin, caladin assubiano, só fiz dizer: boa seu minino. Isso é qui é hômi de verdade, esse táli de Castro das Ave.
Bem, meu caro Tom do Junco, Tonho do Paiaiá só pôde escrever isso para lhe agradecer a prosa.
Reserva Imbassaí, 6 de abril de 2020
Butano arreparo na fonia de Tonho pra Tom, Téodulo entra purumeio pamodi da sustanca na prosa unindo treis macho ca letra T.
É tri sabença apurada de treis cabocos istudado seno qui doir deles se refere a Sao José do Paiaia.
Si mum bastasse os arrudeio de letras tantas, inda’parecem dois perssonagi sendo um sujeito ocuto e otro qui recebe titu de poeta das escravajança.
Eu, (ca nas terras da Mãe D’aua) surriu filiz por conhecer arguns esse punhado de gente que se apareceu escrivinhado.
Aos Mestres com muito respeito e redobrada admiracao.
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Meu caro poeta-cantador, hômi da poesia, dar’letra, dar’músgas e do cordé, vamicê tem um coração analítico maior que o mundo todo, tirano dele esse táli de corona de vrido.
Nera pussíve qui convivêno cum vamicês, sabidus cuma a gota, eu num aprendesse um tiquinho, um coice de preá mermo, a iscrevê, não bunito cuma vamicê, mais pelo meno arranhando.
Obrigado pela distinção 👏👏👏
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Supimpa, Seu Tonho!
E se mais não digo nesta dialética é porque me escapam os léxicos apropriados. A utilização de tal recurso linguístico, muito apropriadamente, fez uso grandes nomes como Guimarães Rosa e nosso ícone João Ubaldo, e requer domínio das flexões, precisão e aquisição de vasto conteúdo; é como internalizar dicionário e gramática. Um feito que, sinceramente, tem respeito!
Quanto ao incidente vocal que fomentou esta riqueza, rogo, contudo, para que o cuidadoso recado sobre a correta pronúncia da rua Teódulo de Albuquerque, (cujo homenageado, onde quer que sua alma esteja, assim espero, não deva mais importar-se com tal acinte), mas que de todo modo, afronta aos apurados e doutos ouvidos, além do inevitável demérito ao ofício de repórter.
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Pois é, meu bróder, sem falar que lhe conheci ao vivo e à cores no dia que Geraldo levou o meu irmão para palestrar no Mercado do Paiaiá. E eu tive o prazer de conhecer esse lugar que o meu pai tanto falava. Obrigado pela crônica. Mas hei de dizer aos paiaiaenses que a minha crônica nasceu de um contexto de interação social nos comentários de uma postagem sua no Facebook. Ou seja, uma homenagem ao meu grande amigo que é você.
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Sei disso, Tom
O cabra da máquina de retrato é vamicê. Lembra que você retratou a palestra do imortal?
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só imagino a trabalheira que deu pra escrever o texto com esse tom regionalizado.
muito bom!
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Obrigado, pelo comentário Barrabaz.
A trabalheira nem foi tão grande assim quando se trata dum tabaréu cuma eu (risos).
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a modéstia é apanágio da grandeza, meu nobre.
um abraçaço.
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