“Mas se desejarmos fortemente o melhor e, principalmente, lutarmos pelo melhor, o melhor vai se instalar em nossa vida.”
Carlos Drummond de Andrade
Epa! Epa! Epa!
Já para dentro de casa, velho teimoso!
Olha só, lá coroa, fique onde o senhor está, pelo amor de Nosso Senhor Jesus Cristo, fique aí e não torne a fazer isso.
Está proibido velho andando rua acima e rua abaixo, o senhor não sabia?!
É ordem do Prefeito, do Governador e do Presidente – todo mundo junto.
Não ponha o pé na rua, um pezinho sequer, tá ligado?!
Avia ligêro Miquilina minha muié, se aprochegue cá, minha véia. Óia só cum quê tô me adeparano?!
Intonse agora a rua daqui tem dono, é?! E pelo qui iscutei né só um não, é três. Arre égua!
Isso é uma discumpusição maió qui um hômi cuma eu pódi passar na vida, minha véia!
Tu deixa de tanto tá arrismungano de tudo Supriano meu marido.
Intonse vamicê tá falano sozinho aí, cuma a rádia de seu Juquinha, prefeito da Natuba, na “hora do brasil”?!
O qu’é qui tá se sucedeno com vamicê, criatura de Deus? Num tá vêno não, qui tô catando o feijão pra cozinhá pra nois cumê quando o sóli tivé a pino?!
Êta hômi injuado dos pé de zé sereno. Minha Santa Dulce dos Pobre, cuida do juízo desse hômi, parece qui vai ficá abilolado de vez, nessa quadra de tanta miséra e tanta doença nesse mundo de meu Deus.
Assunte só vamicês: foi só chegá essa táli órdi do povo ficá dendicasa, prumode este hômi ficar abuletado.
É o tempo todo indo dum lado pro ôto; de casa pru quintal, pru curral, pru pulêro e volta e vai; é um istica e puxa do tamanho do mundo, viu! é um forrobodó da peste.
Umas hora ele arruma os arreio da carroça, ôtas horas enseba os lóro da sela, os roló, as pernêras, as brochas de encangar os boi, a corda de couro; ôtas vez canta uma mudinha do tempo do cuspe e, as vez inté se mete a varrer a casa – é siná dos tempo minha gente; é siná dos tempo!, nestes tempo qui tamo junto – uns sessenta e tantos ano entre namoro e casório – nunca essa criatura pegou numa vassoura, nem mermo pra tirá dum lugar e botá nôtro.
Miquilina, tem um fio d’uma égua aqui, escanchado inriba d’uma bicicleta, zuadenta que só o motô da luz, me passando uma carraspana do tamanho do buraco do vento, lá do Tucano.
O cába tá improibino d’eu ir alí na casa de cumpádi Rafaé, tirá um didalzin de prosa cum ele e cum a cumádi Sinhá.
Sabe, Miquilina, é prumóde qu’eu quero dizê a eles que o afiado deles, nosso fio Xiquitinho, mandou lembrança lá de Sum Palo e tamém das miséra qui tão aconteceno por lá, cuma ele me disse ônti, pelo celulau, na hora qui o sóli se pôs.
Adonde já se viu uma miséra dessa, Miquilina?!
Eu, cá c’os meu novent’anos nas costa, nascido, criado, morano, trabaiano, e havêi de morrê aqui, – qui nunca na minha vida fui siquer chamado pelo Ispetor de Quarteirão, prumódi ir numa Delegacia de Puliça – sendo barrado, na porta de minha própi casa, pur um frangote de gente qui ainda tem idade de ser meu birneto.
Valei-me Jaquim Ega – como dizia Zeca de Benbém – será qui o mundo vai acabá mermo, minha véia? Um hômi cuma eu, titela lisa, trabaiadô qui só o diabo, temente a Deus Nosso Sinhô, si dobrano a um frangote desse?!
Tem nada não. Tem nada não, pelo que tô divurgano nas feição desse minino, ele é do povo de cumpádi Zé Cornetêro. Adispôs vou lá na casa dele fazer minha queixa e cobrá dele que dê côbo aos neto dele, purquê dos meu eu dô e agaranto.
Vamicê, minha muié, tá alembrada daquela surra qui dei, com vara de cipó cabôco, no minino de nossa fia Zidora, meu neto Calanguinho, só purquê o disinfeliz – qui São José mi perdôe pela má palavra – mangô de d. Tranquilina quando ela saiu vistida, só de anágua e sem a saia pur riba, e ela veio da parte dele a nois, já qui a mãe nun tava aqui?
Apois, s’esse franguinho fosse da nossa famía, ele ia se abuletá cumigo hoje mermo, viu! Eu ainda me agaranto, no mínmo uns três minuto, cum pilunguinha de pau d’arco qui tenho guardado aí no nosso quarto de durmir.
Apois tá bunito, veja só Miquilina:
Eu, um hômi de respeito, sem devê um franisco de nada a ninguém e nem a Justiça, tê qui ficá preso dendicasa, cuma se fosse na cadeia, pur orde de quem nem conheço – e, com a graça de Deus nosso, Pai, num quero cunhecê – e, ainda pur riba, tê de iscutá lorota dum frango d’água desse, qui não sarô do fedô do mijo ainda.
É fim de mundo mermo, minha véia! É fim de mundo!!!
Supriano, Supriano, fio de D Maricota, minha sogra, tu num tá vêno as nutícia nas rádio e nas televisão não, fio duma jéga de aguadêro?!!
Apareceu, no Brasí e no istrangêro, no Mundo todo de meu Deus, uma táli duença qui os dotô botáro o apilido de vírus – e parece qui essa vêio dos inferno mermo.
Dizem inté qui tem o nome de Corona, iguá ao dessa planta qui nasceu no munturo daqui dicasa. Vixe mãe do céu, arranca logo esta disinfiliz dos diabo, Supriano, vai logo, vai logo criatura; já tô toda arrupiada só de pensar.
Vá lá qui os hômi do governo discóbri ela aqui e pódi inté dizer que nois tem curpa no cartóro também, eu hein, num é de duvidar, vamicê sabe?!
Onti meio-dia, eu uví na rádia qui o minino de Cabelinho de Zé de Gracino fala todo sábado, que essa táli de doença tem um nome istranho do cão, qui os cientista butáro nela.
É até um nome qui num é feio de todo não; pois fala em convidá num sei quem, táli e coisa – e num pode ser muita gente não, pelo qui divurgei nas oiças só pode tê convite prá 19.
Êta povo besta esses cientista, estudam cuma peste, num cômi direito, num dormi direito, é tudo cum cabelo arrupiado – inté parece qui nuca viu pente – barba pariceno dum ismolé, trancado num lugá di vrido, e paráro logo in 19 – COVID-19. Num pudiam fechá logo nos 20, qui é de rombo, cuma diz o hômi que canta os bingo da igreja?!
Pra completar, Supriano, o povo, as televisão, as rádia, os dotô, os infermêro qui dá injeição na gente, todo esses fio de Jesus, tão chamando a doença de CORONAVÍRUS – óia a corona pelo meio dinovo!.
Tu já assuntô, meu marido, s’esse povo discobre esse pé de corona no quintá daqui dicasa?!
Havia de sê um Deus nos acuda, num era?!
Era uma romaria de tanta gente aqui, uns repórte hômi cum cabelinho empastado, cheio de vasilina ou ólho de côco; umas repórte muié cum a cara intupida de pó de arroz e ruge, os cabelo dos óio pintado de toda côr,
umas saia justa, impinando a bunda, umas blusa lascada amostrando os peito até quase aparecê os bico dos coitado, umas calça cumprida, tão justa qui desenha as vergonha de baixo, todos ele esbafurido, impurrano uns aos ôto, pidino a nois pra intrá no quintá e tirar retrato da planta, pra nois falar naqueles bicho qui eles traz e qui mais paréci uma mão de pilão dum lado só, tirano retrato da gente e inté botano nossa cara na televisão – tá tudo arrivirado, de ponta-cabeça, Supriano, niguém mais tem vergonha de nada não, meu véio.
Deus do céu e Nossa Senhora da Conceição qui nos livre disso! Tenho rezado o Ofício, todos dia da sumana, e é dimadrugadinha, pidino a Ela proteção pra nois, pros nossos fios, neto e birneto; mais vamicê, cum sua priguiça dos diabo, é que num m’acompanha todo dia, reza de caju in caju, mas vale.
Bem meu cumpanhêro véio de vida – derna meu quinze ano de idade – é peuciso assuntar direitinho pro qui tá se sucedeno no mundo todo, viu?!
Vamo tomá tinênça na vida e cumprí as órdi do Guverno e dos dotô médico.
É pra todo bichin ficá dendicasa, s’afastando do povo da rua.
Só dévi saí na rua pur muita nicissidade mermo.
Se for pralgum lugar, é preciso ir cum o nariz e a boca tapado com pano ou cum prástico, amarrano cum elástico e dipindurano nas urêa, mermo qui as pessoa tenha óculos.
Os dotô diz que o nome disso qui tapa a boca e o nariz é máscara e qui, se num achá prumôdi
comprá ou se o guverno num dér a nois, a gente pode fazê in casa mermo, cum pano limpo, mais num pódi sê fininho demais como madrasto de forrá caixão de difunto; tem qui sê de augudão, anarruga ou ôto mais forte ainda.
Tem mais ainda, viu Supriano, quando chegá nos lugá, tem qui melar as mão c’um táli de árcu gel ou lavá cum água e sabão, isfregá direitin por dento dos dedo indo inté um pedaço do braço, mais ou meno um meio pármo depois das mão.
Quando chegá da rua, num entre direto in casa cum os calçado qui tava não. É preciso limpá a sola com água sanitária misturada cum água. Eles diz qui só carece misturá meio copo d’água sanitária num litro d’água, do pote ou da tornêra mermo e pronto.
A roupa qui tava usano na rua, num botá inriba da cama ou das cadêra da casa. Tem qui guardá num lugar isolado, um canto onde não é muito usado, no fundo da casa, prá adispôs sê lavada e gomada cum ferro bem quente.
Ainda tem ôtos consêio dos dotô:
- se vamicê tivé com uma febrinha pequena, o corpo quente, mas sem tosse e sem intupimento dos nariz, basta tumá um remédio de febre e aguardá cuma fica;
- se a febre aumentá, o corpo ficá mole, ficá duêno as junta, o nariz intupido e tivé tosse, procure um Posto de Saúde perto de sua casa. Lá os dotô e ou os infermêro vai cuidá de vamicê direitinho, num tenha medo, tudo vai ficá bem;
- eles tão orientano qui num é pra ir direto prus hospitá não, pra num inchê dimais cum gente qui num pricisa ser internado e as vêz tomá o lugá de quem mais pricisa.
Apois intonse, Supriano, meu véio, vamo ficar aqui DENDICASA isperano o Guverno dizê quano tá tudin liberado e, aí, nois vai pra tudo quanto é lugá, inté pra casa de nossa fia Guadalupe, lá no Paiaiá.
É de vê qui êsse povo rico vai vortá a ir pro istrangêro logo, logo; de navio, de avião ou de trem, se tivé.
As fêra dur lugá vão vortá a vendê as coisa – tô pensando cuma vô cumprá o fumo de corda pro meu cachimbo, qui já tá quási fartano, num sábi! – as casa comerciá de todo lugá vai vendê tudo, fiado ou a dinhêro; os artista vão pudê cantá, fazê novela, pulá de riba do circo, os paiáços não pudê contá um monte históra pra tudo mundo dá risada. E aí a vida ségui normá, normá, até o dia qui Deus quisé.
Mais tem uma coisa, pur infilicidade de tudo isso, num vai tê o São João no meio da rua este ano; num vai tê pé-de-bode, oito baixo, zabumba e os iscambáu; num vai tê arrasta-pé, nem fuguêra, nem nada, vai sê uma lezêra danada.
Os hômi do guverno já disséro qui não e pronto!
Mais eles tem razão, sabe; é prumóde qui num tem dinhêro pra festa não, a gastança cum os hospitá e cum remédio é grandona mermo, do tamanho da água do rio do amazona.
FIQUE DENDICASA – faça a sua parte, colabore com a medicina e os profissionais da área, com a governança municipal, estadual e federal – colabore consigo mesmo.
Ajude a evitar que esta pandemia se alastre por tudo quanto é lugar!
Só depende de você, leitor!
Leve esta mensagem a quantos lhe ouvem ou lhe vê.
Eu fiz a minha parte, faça a sua!
Espero estar colaborando com o enfrentamento dessa situação toda, que requer cuidados e obediência, acima de tudo!
Tonho do Paiaiá
Em isolamento social com familiares – Reserva Imbassaí, Sábado de Aleluia de 2020
Juega de aguadêro…vou levar pra vida.
Isso tinha que ser artigo de jornal. Tinha que ser lido em todas às rádios do interior, como aquelas novelas que dona Célia e “Tio” Ed Carlos liam na Rádio Sociedade da Bahia, para alcançar esse público, que entende perfeitamente essa linguagem, e carece tanto de informação.
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