Descartes contemporâneo

Eu existo sim….! Cogito ergo sum

Cogito ergo sum

Tarde de uma quarta-feira, ano de Nosso Senhor Jesus Cristo, mês de fevereiro de 2016.

Uma pequena parte da família reunida em torno de um café da tarde, num dos Shoppings de Salvador, após sessão de fotos, com vistas ao preparo da celebração do centenário da matriarca dos Souza Cruz, a ocorrer no mês seguinte.

O bisneto da matriarca, Quim, presente à sessão de retratos, quando, também se submetera a uma sessão particular de imagens.

Passadas todas as movimentações, a família resolvera ir ao Shopping tomar um café, jogar conversa fora e passear.

Pedidos anotados, era preciso dobrar a vigilância em Quim. Com o vigor próprio de qualquer criança, não parava um instante sequer. Ora conferindo as guloseimas postas à venda, como atrativo aos comensais e visitantes; ora conferindo a vidraça limitatória do ambiente – era mesmo segura? Podia esgueirar-se ou sustentar-se naquela divisória? Era possível ver quem passava ao largo?.

Tudo isso passando na mente daquela criança animada com o ambiente e esperançosa de sorver um lanche naquela tarde – ora vislumbrando vitrines de lojas de roupas, brinquedos, calçados e sugerindo a aquisição de um ou outro produto do seu desejo e interesse – vovô alí tem uma casinha com bonecos e bichinhos, lá tá vendendo um sapato lindo; do tamanho deste que tô calçado; mamãe vi um presente pra você comprar pro aniversário de papai; vovó a moça tá demorando de trazer meu suco e meu hambúrguer; bisa a senhora quer café com pãozinho? Se quiser mande a moça anotar que ela traz pra senhora.

E nós, família, a acompanhar os passos do Quim. Às vezes visualmente; às vezes seguindo seus passos. É prudente que acompanhemos as crianças em seus passos de brincadeiras e, até mesmo, de pretenso comprador de produtos. No mundo de hoje não se pode descuidar desta vigilância. O noticiário tá recheado de casos e mais casos de crianças que são levadas de ambientes como tais, onde, por vezes, seus acompanhantes descuidam de seu acompanhamento. O risco é presente, em todos lugares, a todo momento; ninguém está infenso a ações de meliantes.

Na mesa ao lado, dois senhores conversavam de forma animada, provavelmente sobre negócios, dada a exposição dos seus notebooks e as demonstrações de tabelas, fotos, ambientes, perspectivas, etc., etc., etc.

De quando em vez Quim se aproximava daquela mesa e ficava a apreciar a conversa – sem nada entender óbvio – daqueles senhores, focados nos negócios e pouco dando atenção à presença daquela criança.

Chamado a atenção por sua mamãe – meu filho, não vá àquela mesa pois você pode atrapalhar os senhores que estão conversando – aquela criança não se fez de rogado: mamãe eu só quero conhecer eles. É bom fazer amigos; eu já tenho muitos amigos no prédio onde vovô e vovó moram, na escola, na pracinha – Praça Ana Lúcia Magalhães, no Itaigara, onde sempre vai às tardes – no Flamengo (bairro da praia do Flamengo, onde sua outra avó veraneia). Só não tenho amigos no shopping.

Chegados os pedidos à mesa, cada qual tomara do seu. Os cafés estavam impecáveis, tanto na sua aparência quanto no aroma característico, quanto no paladar que proporcionava.

Quim, solícito, explicava à bisavó, cada uma das guloseimas que iam sendo colocadas à mesa: “bisa isto é pão de queijo, tá quente viu!; aqui é o meu hambúrguer, tá gostoso; isso aqui é torta de chocolate, mamãe gosta, mas eu não posso comer; o café tá quente, cuidado!; olhe aqui tem açúcar dentro destes saquinhos de papel; é só a senhora partir, colocar na xícara e mexer com esta pazinha de plástico que tá aí, o café vai ficar doce.

Todos estávamos atentos às explicações de Quim e nos deliciávamos com os cafés e as guloseimas, sem lhe negar a atenção obviamente. Seria uma tremenda descortesia para com aquela criança solícita e ocupada em explicar cada prato posto à mesa.

Terminada a sessão “café da tarde”, satisfeito o pagamento da despesa, tomamos rumo aos elevadores para acesso à garagem.

Pensam que Quim estava plenamente satisfeito com tudo aquilo? Não, não estava. Tanto que parou em frente a todos nós e disse: mamãe, falta comprar o presente de papai; amanhã é o aniversário dele.

Pronto. Lá se vão Quim e sua mamãe em busca de uma loja para compra do presente.

Adentrada a loja, vieram as perguntas de sua mamãe: Quim de qual você gostou? Qual a cor que você prefere?” E Quim sempre atento e sugerindo. “Esta não gostei! Ih!! esta aqui tá machucada “– e a vendedora, sorridente e espantada com a firmeza de gosto refinado daquela criancinha de menos de quatro anos, explicava: tem outra igual na caixa pode escolher esta, se você quiser.

Decidi olhar vitrines, com o objetivo de adquirir uma camisa pra Quim. Assim o fiz. Quando estava sendo atendido pelo vendedor, Quim adentra a loja e foi logo dizendo: pra mim é de quatro ou cinco anos, eu sou pré-adolescente viu! Risos pra todo lado; vendedores, gerente, família.

Camisas no balcão à mostra. Esta aqui não quero, a cor é feia; esta é bonita tem a figura de surf; esta é linda, gostei, tem uma tartaruga. Quero esta viu vovô.

Pronto, compra decidida e produto pago. Quim, fagueiro, ostentava a sacola com sua camisa: vovô esta camisa é boa pra gente ir pra pracinha. Vou lá com mamãe pra gente brincar. Vou chamar Tita e Chico. Você conhece eles? Eles são nossos amigos. Até já me deram uns presentes!

Tarde perfeita: café, guloseimas, compras, presentes.

Caminho de casa, trânsito intenso, surge a discussão sobre qual caminho escolher.

Um dizia melhor voltar; outro dizia: já está aqui vá por aqui mesmo. Outro sugeriu: melhor pegar o buraco da LIP e ir pela ACM.

Quim, tomado de espanto, disse: no buraco não mamãe pode quebrar o carro. O carro de dindo caiu num buraco, quebrou e ainda hoje tá na oficina.

Riso total. Não era momento de explicações e sim de curtir a alegria de Quim!

Sua bisa, que mesmo centenária ainda é fumante, porém moderada, dava sinais de vontade de chegar logo em casa para pitar seu cigarrinho. Sua avó, não muito discreta no assunto, assevera: ….. xiii tá doida, né? – em referência à extrema vontade esboçada por qualquer fumante.

E Quim, em tom crítico: tá doiiiiiida!, entoando a palavra com um sonoro e alongado vocal na letra i.

Risos largos, novamente. Sua bisa, a quem fora dirigida a expressão crítica, também se deitara em risos.

O avô, depois de longo riso, comenta: Quim você não existe – uma expressão bastante usada no interior para dizer que uma pessoa é especial, acima da média, cheia de imprevistos, etc.

E Quim, de pronto, retruca: eu existo sim!!!. Mas entonou um siiiimmmm, com inflexão de longos is e emes.

Desnecessário dizer do quanto o riso tomou conta do carro e por quanto tempo – foi uma alegria geral, inclusive dele.

Estávamos diante de um Descartes contemporâneo: cogito ergo sum

Tonho do Paiaia (Salvador Shopping, 2016, fevereiro, tarde do dia 17)